Já era noite e ele estava sentado na beirada do barranco observando as ondas quebrarem praia abaixo, a noite estava fria e agradável, como a muito tempo não estava, este dia tinha sido um dia bastante tranqüilo e animador, havia levantando o seu ânimo como a muito tempo não se via e ele estava desfrutando daquilo como quem desfruta de um banho quente após um longo dia cansativo. O vento salgado do mar soprava rajadas contínuas sobre ele, balançando os seus cabelos e provocado leve arrepios na pele. De pernas cruzadas e trajando somente um short e uma camisa ele olha para cima e observa a lua cheia, com aros em volta dela, após isso ele fecha os seus olhos e dá um pequeno sorriso involuntário, ele está feliz e não sabe bem o porquê, mas sabe que está. Algum tempo se passou até que uma jovem se aproxima calmamente para junto dele, para um pouco atrás e se põe a observá-lo.
- Hum...oi – ela diz.
- Olá. – Ele responde ainda com o sorriso no rosto, levanta os olhos e se põe a observar a garota que se aproximou.
- Posso me sentar aqui também?
- Fique a vontade – disse ele tornando a virar o rosto para o mar.
A garota recém chegada se aproxima e senta ao lado do rapaz e se põe a observar o mar junto dele. Os dois continuam em silêncio durante um tempo, apenas observando o mar e dando ocasionais olhadas para lua e para a extensão da praia, a garota o observa de vez em quando, observando os seus traços e a suas feições, até que ela decide quebrar o silêncio.
- Bem, é meio complicado falar, mas... você sabe quem eu sou, não é?
- Sim, sei quem é você.
- E você não está surpreso em me ver?
- Na verdade não, eu já esperava que você aparecesse a algum tempo. – respondeu ele olhando fixamente para a praia.
- A... okay então.
Ela volta o seu olhar para a praia e mais uma vez um silêncio se instaura entre eles, a garota as vezes se sente tentada a quebrá-lo, mas sempre desiste no último segundo, da um longo suspiro, fecha os olhos e joga sua cabeça para trás a fim de aproveitar o vento. Nesse instante o rapaz se põe a observar de verdade a garota, ela tem a pele branca como a lua, longos cabelos negros que vão até o meio das costas, tem um rosto bonito, com as maçãs do rosto destacadas com pequenas sardas nelas, longos cílios e uma boca delineada, ela estava usando uma maquiagem escura , mas não pesada, estava de blusa preta com o logotipo de alguma banda estampada, vestia uma calça jeans desbotada e calçava um coturno, o que era meio estranho já que eles estavam em uma praia, ela tinha um ar acolhedor e passava a impressão de ter muita experiência, apesar de parecer tão jovem (por volta dos 17 anos na opinião dele), o que o deixava ao mesmo tempo intrigado e relaxado, exatamente nessa hora, ela abriu os olhos o pegou olhando para ela.
- O que foi? Algo errado? – perguntou ela gentilmente, mas também dando um leve sorriso.
- Sim, não, quero dizer, talvez... Ah, digamos que você não é exatamente do jeito que eu esperava que fosse.
- Hum... minha aparência te incomoda? – perguntou ela virando o rosto para olhá-lo nos olhos.
- Na verdade não, você é bastante bonita... só que, não sei, não imaginava você assim.
Ela deu um leve riso que produziu um som doce e caloroso.
- Verdade? Então, como você me imaginava?
- Não sei, talvez como uma pessoa mais velha ou mesmo com uma roupa um pouco mais séria. – disse ele dando um leve sorriso de quem estava fazendo uma brincadeira.
Ela riu novamente produzindo outra vez aquele doce som, ele também sorriu e se pôs a observar novamente a praia e de novo o silêncio se pôs sobre eles, mas dessa vez era um silêncio agradável, daquele que se pode passar horas sem dizer nada que mesmo assim ele não se torna constrangedor. Após alguns minutos a garota quebrou o silêncio novamente, dessa vez não hesitando na hora de falar.
- Então... eu fiquei sabendo por aí que você estava querendo me encontrar, isso é verdade?
O rapaz olhou um pouco surpreso para ela, com uma mescla de confusão e curiosidade.
- Bem... isso é verdade sim, mas por que a pergunta?
- Era só para ter certeza mesmo.
- Não entendi.
- Ér... digamos que não é todo mundo que quer a minha presença, algumas pessoas até chegam a me procurar, mas quando percebem que eu estou indo, fazem de tudo para me afastar e na verdade isso é o normal, não é muito comum me deixarem chegar tão perto assim.
O rapaz dessa vez compreendendo a pergunta, se limitou a dar uma pequena risada e achar graça da situação e ao fazer isso teve uma leve impressão de que a garota corou um pouco. Ele abriu mais o sorriso e dessa vez teve certeza de que ela corou mesmo, quando ela desviou o rosto para o mar.
- Não precisa se preocupar comigo – disse ele – na verdade estou achando a sua presença muito agradável.
- Você é estranho, sabia?
- Hum, não sei, sou?
- Sim você é. Muita gente meio que chora quando me vê, outras ficam desconcertadas e outras mesmo chegam a ficar felizes, mas me lembro de pouquíssimas pessoas que ficaram tão tranqüilas comigo por perto.
- Bem... eu acho que é essa sua aparência que as deixa assim – Disse ele com um sorriso nos olhos e novamente viu a garota corar.
- Pode até ser que sim, mas isso não explica nada, para cada pessoa eu uso um estilo diferente sabia?
- Imaginei que sim – disse o rapaz e após isso um breve silêncio caiu sobre eles
- Bem também tem outra coisa que eu achei estranho em você.
- O que é?
- O jeito como você fez para querer me encontrar, não é... comum, sabia? – Ela disse olhando para o rapaz esperando uma reação dele, ele se limitou a olhar para ela aguardando ela falar – Bem normalmente as pessoas me encontram de surpresa e acabam assustadas, outras, as que querem me encontrar, fazem um tipo de ritual se preparando e muitas vezes me afastam no último segundo, já outros fazem um barulho danado, já você... você foi diferente, você queria me encontrar, mas não disse isso para ninguém e ficou somente aguardando eu aparecer e isso não é normal, realmente não é.
- E isso é ruim?
- ruim não é... é apenas estranho. – ela ficou olhando em silêncio para ele esperando alguma resposta, ele apenas desviou o olhar e voltou a olhar para a praia em silêncio, somente o vento e o barulho das ondas do mar preenchiam o ar, o vento estava frio e ela abraçou os joelhos para se esquentar um pouco mais, olhou para o rapaz e ficou observando o fato de que ele não parecia se incomodar com o frio, fechou os olhos e se pôs a escutar as ondas quebrando. E após um momento quem o quebrou dessa vez, foi o rapaz.
- Quer saber de uma coisa que eu descobri esses dias?
- Hum, uma coisa que você descobriu?
- Sim.
- Então me conte.
- Não vá achar estranho por favor, foi só uma coisa que me veio a cabeça enquanto eu pensava e na verdade é uma grande ironia. – Disse ele dando uma pausa. E olhando de canto de olho para a garota esperando a reação dela. Ela estava atenta e olhando com expectativa para o rapaz, esperando que ele falasse algo enquanto ele mantinha o suspense, e então percebeu que o rapaz não iria falar nada.
- Não vai querer me dizer? – Disse ela um pouco nervosa.
- Vou sim, só queria saber se você realmente iria ficar curiosa – Disse isso sorrindo e fazendo uma nota mental – Bem, mas voltando, a ironia que eu descobri é que, a única certeza que nós temos, a única coisa dita inevitável que nós humanos temos é na verdade a única coisa que os realmente podemos mudar. A Morte.
- Como assim? Como se pode mudar a morte?
- Bem... mudar, mudar ela não podemos, mas podemos dizer quando ela vai chegar, dependendo da decisão que nós tomarmos, nós podemos decidir isso, mesmo que inconscientemente.
- Não entendi.
- Okay, vou explicar então. Digamos que eu estou na casa de um amigo meu e já é madrugada, casa dele é em um bairro muito perigoso e eu estou sem condução para ir para casa, posso tomar duas decisões, ficar e dormir na casa dele ou ir para minha casa de pé, em qual dessas decisões tenho mais chance de morrer?
A garota acabou finalmente compreendendo o que ele estava falando e acabou respondendo.
- É mais provável você morrer se for para casa a pé, mas essa não é uma decisão muito sensata.
- Não é sensata, mas é uma decisão que poderia apressar a minha hora, compreende?
Dessa vez a garota não respondeu e se limitou a acenar com a cabeça e ficar pensativa, o rapaz após dizer isso mergulhou em seus pensamentos e no meio deles começou a perceber algo, eles estavam em um tipo de padrão, conversavam um pouco e mergulhavam e silêncio, daí novamente conversavam e novamente ficavam em silêncio e isso se repetia, mas mesmo isso soando um pouco estranho, percebeu que gostava daquilo e até achava agradável.
- Você tem certeza disso? – Disse a garota abruptamente, arrancando o rapaz dos seus pensamentos.
- O que você disse?
- Eu perguntei se você tem certeza disso?
Após um minuto de confusão o rapaz compreendeu a pergunta e acenou com a cabeça.
- Você sabe que isso não tem volta, não sabe?
- Sim eu sei e meio que já esperava por isso.
A garota olhou com tristeza para ele.
- Mas pensa bem, você pode reconsiderar, você tem todo um futuro pela frente, você pode fazer mil coisas.
- Aé? O que por exemplo? – Disse ele com um ar de indiferença.
- Por exemplo, você poderia... – Ela parou de repente percebendo a armadilha em que quase caíra, olhou para o rapaz e percebeu que ele não estava tão indiferente assim, que havia uma minúscula fagulha de esperança nos olhos dele.
- Você não vai conseguir isso de mim, me desculpe.
- Não custava nada tentar – Disse o rapaz com um suspiro. – Mas já que eu não sei o que posso fazer e você não vai me contar, então eu tenho certeza da minha decisão.
A garota olhou para ele, mas OLHOU mesmo para ele, viu todas as suas feições, todo o seu potencial, que se fosse mesmo em frente com isso seria perdido para sempre e também viu a determinação do rapaz e percebeu que essa parecia ser a única coisa na qual ele estava realmente determinado a fazer, com tristeza se virou para o rapaz.
- Você sabe que, no momento que eu te tocar não haverá volta, o meu abraço e o meu beijo são únicos e após recebê-los você nunca mais será como é, não sabe?
- Na verdade sei sim e por alguma razão não acho que será ruim.
- Okay, mas irei te perguntar pela última vez, você realmente deseja isso?
- Sim eu desejo.
Então com pesar o coração a garota se levantou fazendo um gesto para o rapaz também se levantar, limpou a areia da calça, abriu os braços e abraçou o rapaz com ternura, um abraço forte que o envolveu totalmente. O rapaz sentiu o calor do abraço e aos poucos foi-se deixando levar por aquilo, estava tão bom, tão quente, tão aconchegante que ele se entregou totalmente por fim sentiu um beijo a sua testa, e o calor do abraço pareceu se intensificar e o envolver por completo. O frio da noite já havia passado, e aos poucos ele foi se deixando levar por aquele abraço que tanto ansiava, o que daria fim a tudo, o abraço da morte.